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Ir ao encontro do desconfortável tem permitido elevar o cuidado a novo patamar

Estamos próximos 31 de dezembro de 2021. Se voltasse para o mesmo dia do ano passado, quando me recolho para mentalizar o que desejo para a minha caminhada no ano seguinte, jamais imaginaria que, um ano depois, terminaria 2021 com foco nos cuidados paliativos, com o desejo de afinar, cada vez mais, meu olhar para a dor das pessoas e a necessidade de estar, de alguma forma, ligada ao cuidar dessa dor em todas as suas dimensões.

Nem de longe, pensaria, ainda, em viver o que vivi, esta semana ao participar de um encontro com profissionais, que integram equipes multidisciplinares de cuidados paliativos pediátricos em diversas cidades brasileiras. O que poderia haver diferente em um encontro assim? As pessoas e o propósito. Quem tem um olhar para o cuidar e é movido pela compaixão pode ir além. E compaixão e humanidade estiveram presentes nas falas todos e nas discussões promovidas pelo 12° Encontro de Cuidados Paliativos Pediátricos, realizado pela Curumim Associação de Combate ao Câncer Infantil, entre os dias 7 e 11, ainda de forma virtual.

“Conversas sobre temas espinhosos, delicados e desconfortáveis” foi um convite a ir ao encontro do desconhecido e desconfortável para todos os participantes. A escuta compassiva é fundamental. E profissionais envolvidos com cuidados paliativos, têm de desenvolver essa habilidade.

Já no primeiro dia, duas pacientes adolescentes, em tratamento do câncer, foram entrevistadas, e se posicionaram em relação a como são vistas e cuidadas. “Não gosto quando todos falam com minha mãe e não comigo e acham que não entendo o que está acontecendo”, disse I.M., estudante, de 12 anos. “Quero sempre que me falem a verdade”, completou, V.M, estudante, de 13 anos. A fala de ambas, reforça necessidade de autonomia do paciente infantil, que quase sempre não é reconhecida pelos profissionais de saúde.

Temas sensíveis e aflições cotidianas daqueles que atuam em cuidados paliativos foram levantados nos dias seguintes. Foram ricas as discussões sobre as questões polêmicas que surgem quando é preciso decidir sobre uma possível necessidade suspensão de tratamento em crianças que estão sob a tutela do Estado — e, portanto, são invisíveis para a sociedade; e sobre a judicialização e os desafios na preservação dos direitos das crianças em cuidados paliativos. As conversas sobre a tomada de decisão, a autonomia do paciente pediátrico e os possíveis conflitos que possam surgir com os pais também despertaram um debate intenso. São tantos os aspectos, tantas pessoas, tantos sentimentos envolvidos!

Como se pode ver, as inquietações que atingem os envolvidos por esse campo de trabalho são amplas. O encontro encerrou-se, abordando o luto, assunto especialmente caro para mim. O luto dos invisibilizados foi o guarda-chuva utilizado para falar de lutos não reconhecidos: do amigo, do irmão, do pai, de familiares.

Chamou-me a atenção, em especial, a intervenção de Daniel Carvalho, aconselhador no luto no projeto Luto no Homem. Sua fala, tirou um véu que cobria minha visão. Em geral, quando um filho morre, as atenções vão sempre para a mãe. O que ele propõe é que se abra o olhar o luto não somente para a dor do pai, que some aos olhos de todos. Ele sugere que esse olhar seja inclusivo, abarcando as questões do masculino, passando a ser consideradas questões como gênero, raça, classe. Só assim será possível ser inclusivo e realmente abarcar o invisível em toda sua abrangência.

Participar deste encontro reforçou algumas certezas que tenho. O conhecimento e a informação são essenciais não somente para quem cuida, mas para as pessoas que necessitam deste cuidado. Ainda é preciso melhorar muito o acesso à informação, tanto para profissionais de saúde quanto para pacientes, para que todos possam se beneficiar da beleza que são os cuidados paliativos. Falo de profissionais, porque é preciso cuidar de quem cuida também.

Por fim, o que vi, nestes dias, foram mais que médicos, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais envolvidos com o cuidado. Vi seres humanos, inquietos, aflitos, vulneráveis, capazes de olhar o paciente para além da sua doença. Seres transformados em cuidadores. Como isso é lindo! Quanta esperança há!

Foto: Canva