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“O sofrimento só é incurável quando ninguém cuida.”

A frase acima é de Cicely Saunders, a precursora dos cuidados paliativos modernos. Ela reflete bem a filosofia dos cuidados paliativos. Cuidar para além da doença, proporcionar uma vida digna e consequentemente uma morte digna.

Em 2019, vi a saúde de minha mãe se fragilizar rapidamente. Senti na pele a dor de ver uma pessoa sofrer e por muitas vezes não ter o sofrimento aliviado. Naquele ano, também encarei a morte de frente. Querem motivos maiores que esses para “tirar o bumbum da cadeira”?

Na busca de algo que aliviasse a sua dor deparei-me, por acaso, com o movimento paliativista. Santo foi o Google que me mostrou uma palestra da médica geriatra e paliativista Ana Cláudia Quintana Arantes! Nessas horas, a gente até agradece por existirem os algoritmos, não é? Aquela apresentação mudaria os últimos dias de minha mãe e a vida a minha família.

Qualidade de vida é uma palavra-chave

E o que são os cuidados paliativos? São uma forma integral de cuidar, oferecida por uma equipe multiprofissional a pessoas que lidam com uma doença grave, incurável, que ameaça a continuidade de suas vidas. Eles podem ser adotados a partir do diagnóstico de uma doença, mesmo não tendo a morte no radar. Qualidade de vida é uma palavra-chave para quem sofre ou está morrendo.

Com os cuidados paliativos descobri que o paciente é o centro do ato de cuidar. Entendi que o “não há mais nada a fazer” se transforma em “muito pode ser feito ainda”. Ficou claro também que ninguém precisa largar os tratamentos que estão em andamento, mas o que ocorre é o ganho de uma camada extra de cuidados.

A abordagem paliativa considera a dor para além da dor física. O termo criado por Saunders é o da “dor total", que engloba os elementos emocionais, físicos, sociais, familiares e espirituais de uma pessoa. Familiares e cuidadores profissionais ou não são impactados pelo adoecimento de um ente querido e devem ser cuidados também.

Alívio que chega no fim da vida

Em casa, só conseguimos oferecer os cuidados paliativos para minha mãe em suas últimas semanas de vida. Ainda assim, presenciamos o alívio de vários sintomas que a incomodavam por meses.

Ter orientações claras e precisas sobre o seu quadro de saúde, foi essencial. Isso nos ajudou a encarar sua finitude de frente e a nos preparamos para a sua morte. Uma baita, ajuda, por sinal.

Presenciar o que essa forma humanizada de cuidado proporciona, fez toda diferença para nós. Ainda assim, não tem sido fácil lidar com o luto. O que me conforta é pensar que tudo estaria sendo mais difícil se os cuidados paliativos não tivessem entrado em nossas vidas.

Sei que falar sobre a morte e o morrer não é fácil. Esses temas são um tabu em nossa sociedade ainda. A gente tem mesmo dificuldade de pensar que um dia não estaremos mais aqui, mas ao aceitar a nossa finitude, descobrimos uma gama de recursos para lidar com ela. Poderemos, então, nos abrir para viver com menos medo e mais intensidade.