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É urgente olhar para as dores e necessidades dos profissionais de saúde. Há muito a ser feito por eles.

Quando o coração está aberto e o desejo existe, não há barreiras para os atos de cuidar e de acolher o outro.

Unidas por um aplicativo que permite a realização de reuniões e encontros virtuais, antes inimagináveis, eu -- em Belo Horizonte --, uma companheira do curso Sentinelas -- em Campinas -- e uma amiga ginecologista e suas colegas profissionais da UTI neonatal e um único homem da emergência que trabalham em um hospital em uma cidade no interior de Santa Catarina, encontramo-nos na noite de 20 de dezembro de 2021. Algumas colegas que já haviam deixado o serviço também estavam conosco de forma remota. Nossa proposta era a de ter uma atividade de escuta e acolhimento para todas aquelas pessoas que têm o cuidar como tarefa diária, mas que se esquecem de algo fundamental: elas também precisam ser cuidadas.

Antes de seguir, faço um parêntese para falar do Sentinelas – Curso de Formação para o Fim da Vida. Nas mais de 200 horas da formação, aprendemos sobre os cuidados que uma pessoa em final de vida merece receber. Nesta jornada, compreendemos ainda que aqueles que se dedicam a zelar pela saúde do outro precisam dedicar a mesma atenção para si. Chamamos esta ação de “cuidar de quem cuida”.

Iniciamos as atividades com uma visualização guiada para que todos relaxassem. Neste momento, ressaltamos a importância de todos e lembramos que cada ali presente um é essencial no seu papel no hospital e nesta vida. A etapa seguinte, foi a de preparação para o exercício que proporíamos ao grupo. Por isso, enfocamos a morte e morrer, tema que os profissionais de saúde, em geral, não têm o hábito de conversar.

Falamos sobre que a morte e temas correlatos, como o luto, são tratados como tabu em nossa sociedade. E conversamos sobre o luto invisibilizado, uma das maiores dores dos desses profissionais, que é geralmente “jogada para debaixo tapete” por eles próprios. Reforçamos a importância de o luto não reconhecido ser integrado, pois, caso contrário, ele pode se transformar em um luto complicado, causando impactos profundos, não somente na dimensão física, mas também nas dimensões emocional, social, familiar e até espiritual de uma pessoa.

Na sequência, tanto os presentes quanto aqueles que estavam conosco de forma virtual foram divididos para uma atividade em grupo. A tarefa demandada foi a que conversassem de forma aberta sobre as sobre suas dores, suas necessidades e também identificassem as bênçãos no seu dia a dia.

No retorno, tivemos uma rodada com a devolutiva dos grupos. Não nos causou surpresa as falas de cada grupo. Nas dores, o medo de não saberem o que dizer para os pais na hora da morte de uma criança, a sensação de impotência, a solidão por exemplo. Como necessidade, a de serem cuidados, de serem ouvidos ou de terem um espaço de descompressão no hospital. E como bênçãos da profissão, o próprio cuidar do outro, acompanhar a evolução dos bebês, dar conforto para as famílias.

Terminamos, compartilhando uma música com o grupo, sugerindo que o encerramento fosse um momento de reflexão e que todos se lembrassem das bênçãos recebidas ao longo do ano. Presentes que os fizessem lembrar que, mesmo com uma rotina tão dura, há, em suas vidas, coisas leves e boas a serem celebradas e que essas servem de alentos para eles e que podem ser usadas nos momentos mais difíceis como uma força para seguir adiante. Informamos que essas bênçãos poderiam ser coisas simples como uma comida gostosa, um sorriso recebido, um aperto de mão ou mesmo um olhar de agradecimento.

Saímos do encontro com uma certeza que, de certa forma já era intuída, quando conversamos com minha amiga ginecologista pela primeira vez e idealizamos o encontro. Como quem cuida de quem cuida precisa de cuidado! Há muito trabalho a ser feito e não precisa ser Sentinela para abrir espaços de escuta e agir!